Não sou guerreira, sou sobrecarregada!

por Valentine Oliveira, parceria Jornalistas Livres, Hori e Ciranda

Anualmente, no dia 8 de março somos bombardeadas por publicações em redes sociais nos “parabenizando” pelo dia das mulheres.

Mas pergunto-me, parabenizando pelo que?

Boa parte dessas pessoas não sabem que o dia internacional das mulheres foi idealizado pela feminista marxista Clara Zetkin, durante a segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas. O objetivo era incentivar a reunião de mulheres trabalhadoras em diversos países para, neste dia, protestar por melhores condições de trabalho, aquisição de direitos político e outras pautas.

Ao longo do tempo, este dia-marco, foi deixando de ter um caráter de mobilização e demarcação das lutas por direitos das mulheres trabalhadoras. E, foi apropriado pelo capitalismo e pelo feminismo liberação, para uma perspectiva comercial-comemorativa.

Então, qual seria a motivação da parabenização? Seria pela aquisição do direito ao voto? Seria pelo sancionamento da PEC das domésticas ou pela lei que garante a proporcionalidade de gênero nas candidaturas?

Não raro, recebemos cartões virtuais, por meio das redes sociais parabenizando-nos, neste dia por sermos “guerreiras”.

O que demonstram os dados?

Entre 2010 e 2022 as mulheres negras receberam em média 44% do valor da remuneração de homens brancos no mesmo período, demonstra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  O mesmo estudo aponta que no primeiro trimestre de 2022, dentre as mulheres negras com ocupação remunerada, 43,3% estavam em postos de trabalho informais; já entre homens brancos a mesma taxa foi de 32%.

Em 2019, a PNAD demonstrou que mulheres com ocupação remunerada dedicavam em média 18,5 horas por semana aos cuidados domésticos. Já homens na mesma condição dedicavam 10,4 horas. A diferença era ainda maior quando comparamos homens e mulheres sem atividade remunerada: mulheres despendiam 24 horas semanais com cuidados domésticos e homens 12,1 horas semanais. Ou seja, em casa, as mulheres despendiam o dobro do tempo com cuidados domésticos.

Em 2022, 50,8% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, destas 56,5% são mulheres negras, informa levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e dos Socioeconômicos (DIEESE). E, entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, dos 18.806.817 nascimentos registrados no Brasil, 1.024.650 deles não consta a paternidade, informa o portal da transparência do Registro Civil.

Sem mencionar a dificuldade de acesso a creches e escolas públicas para que seus filhos possam estudar enquanto as mulheres estão em horário de trabalho. Além da dificuldade de acesso a moradia, transporte, segurança pública e etc.

Os dados demonstram como as mulheres trabalhadoras – que são em sua maioria são mulheres negras – exercem duplas, triplas jornadas de trabalho, que perpassam pelo trabalho doméstico que não é remunerado.

Não quero ser mulher guerreira

Chamam as mulheres de “guerreiras”. Na verdade, somos mulheres extremamente sobrecarregadas com jornadas de trabalho exaustivas e trabalhos domésticos. Estamos exaustas de lutar cotidianamente para não sermos mortas. Queremos que nossos direitos mais básicos sejam reconhecidos e respeitados.

Por isso, digo e repito, não quero ser guerreira!. Quero divisão igualitária de trabalho doméstico”! Quero paridade salarial! Quero acesso paritário aos direitos políticos! Quero paternidade efetiva! Quero não ser morta ou violentada!

QUERO NÃO ESTAR EXAUSTA!!

Valentine Oliveira é Mulher negra, mãe de uma menina. Advogada feminista. Especializanda em políticas públicas e direitos sociais. Militante do Círculo Palmarino/BA.

Leia também:

In dubio pro homem e o caso Daniel Alves