O Brasil que ignora a África é o mesmo que matou Moïse a goles de refrigerante e pauladas.
O Brasil que ignora a África é o mesmo que matou Moïse a goles de refrigerante e pauladas. A cada líquido gaseificado sorvido ao olhar oblíquo de consumidores, apresentava-se a habitual naturalidade de mais um açoitamento de um preto atrevido. Uma ousadia mortal e necessária para que o Kakongo, Loango, Mpangu… Hoje, Angola e Congo, não morram nas terras colonizadas que ainda se arvora em europeizar. O Brasil para pessoas pretas ainda é um projeto mal sucedido de genocídio, mas que persiste causando dor, adoecimento e revolta.
Ousar é o verbo mais conjugado pela população preta, e graças a esta ação é que o epistemicídio promovido pela educação branca alienada e alienante não conseguiu destituir a história do indivíduo-sujeito. Este pode morrer, mas ressuscita em gerações seguintes, na contramão do assassinato colonial. Nesta contradição, no mosaico social brasileiro, o desejo em se espelhar em opressores se perfaz numa sanha sádica, fria e cruel, pelas mãos de quem executa uma vida preta a pauladas, como também daquele que tacitamente concorda com o ‘‘corretivo’’ dando um suposto ‘‘assaltante’’ em meio a goles de refrigerante, ou ainda com a inércia de agente públicos – os guardas municipais no mais puro genuíno racismo institucional – que se omitiram quando acionados para socorrer com o congolês. Matemos Moïse com normalidade!
Ora, a intenção era somente espancar, da mesma forma que o sargento da marinha matou esta semana, ‘‘culposamente’’, o Durval Teófilo, seu vizinho, já que o mesmo era preto e sua cor levou o assassino, ‘’imprudentemente’’, a confundi-lo com um ladrão. Chegamos, então, a duas conclusões: se é ladrão cabe a execução privada e capital da pena, e se ainda por cima for preto, deixa quieto, ‘‘segue o fluxo’’ – porque deve merecer. Este é a sociedade brasileira que ainda discute a necessidade de cotas raciais e a tal inexistência de racismo. Mais uma morte preta que revolta e alimenta a necessidade de se avançar cada vez mais, até frear o projeto de genocídio no Brasil contra pessoas pretas.
Foto: Sato do Brasil/Jornalistas Livres
(*) Franklim Peixinho é advogado, professor de História e Direitos Humanos, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA), mestre em Políticas Públicas e em História da África (UFRB) e doutorando em Difusão do Conhecimento (UFBA) e membro do Conselho Acadêmico do Instituto Hori