O racismo em pleno século XXI integra o cotidiano da sociedade brasileira e do mundo. Obviamente com peculiaridades distintas, apesar do nível de evolução da humanidade, ele transpõe séculos adquirindo novas facetas. É pertinente a reflexão do jurista Dr. Adilson Moreira, acerca do racismo abordado no livro Racismo Recreativo de sua autoria, fruto de pesquisas e conceito criado por ele. Geralmente algumas colocações tidas como brincadeiras são imperceptíveis para alguns, e, não menos constrangedora para vítimas destas práticas. Por ser culturalmente naturalizado como diversão, o Racismo Recreativo é consequência do racismo estrutural. Ele se expressa por meio de atos, ações e falas (piadas ou ditos populares) em que um ser humano inferioriza o outro, seja por suas características étnicas como a cor da epiderme, traços físicos ou grupos sociais aos quais pertençam, sejam eles, religiosos, culturais, etc. Neste ínterim de forma suscita refletiremos sobre.
Práticas racistas na sociedade brasileira são rotineiras, assim como em vários países, ações e atitudes de cunho racista ocorrem com frequência absurda, a exemplo do deprimente espetáculo de torcedores em estádios de futebol no continente europeu ao ofertar banana para jogadores negros, não satisfeitos, reproduziram gestos similares a postura de gorilas. Chamar a sociedade para este debate é extremamente importante como medida de neutralizar as distorções que erroneamente estabeleceram e ainda estabelecem supremacia de origem étnica e padrões únicos aceitáveis como o ideal.
Mulheres e Homens negras (os) em determinadas situações são caracterizadas (os) de forma negativa em relação aos seus Traços e padrões físicos, hábitos, a compreensão cognitiva, a religiosidade (em muitos casos associada ao primitivismo), apelo a sexualidade de forma exagerada, etc. A nossa sociedade foi alicerçada na colonização europeia, com base constituída na exploração do homem pelo homem, onde a diferença na concentração de melanina e as condições sociais à época favoreceram erroneamente grupos de seres humanos sentirem-se superiores a outros. O reflexo discriminatório segue sedimentado de tal forma que é imprescindível lutar contra práticas racistas, respaldados principalmente pelo conhecimento, legislação específica penal, atuações ativistas, a exemplo dos movimentos coletivos da sociedade civil, destacando o MNU (Movimento Negro Unificado), com objetivos de denunciar, punir, e desconstruir marcadores racistas excludentes arraigado na sociedade brasileira. Não é admissível naturalizar condutas de ofensas racistas, pelo cunho segregativo, por incidir diretamente na saúde mental e física das pessoas, “brincadeiras” de cunho racista, consideradas simples, podem acarretar na vida de pessoas ofendidas danos irreparáveis. O jurista Dr. Adilson Moreira em livro de sua autoria afirma: (Moreira, Adelson,2019 Pág. 97 – Racismo Recreativo)
“[…] o racismo recreativo assume a forma de uma violência simbólica, o que dificulta a criação de um sentimento de pertencimento social entre negros. Além disso, o humor racista compromete a reputação social de minorias raciais, o que serve para legitimar formas de exclusão. Mas ele também cria um sentimento de identidade comum entre pessoas brancas, motivo pelo qual elas se sentem legitimadas a praticar ou rir do humor racista. Ele legitima representações derrogatórias de pessoas negras, o que são formas de microagressões, mecanismos discriminatórios que expressam condescendência ou desprezo por minorias. Assim, o humor racista determina outro elemento central do racismo recreativo: seu aspecto simbólico. A piada racista é um tipo de fala que possibilita a circulação de sentidos culturais negativos, sendo então um meio pelo qual esse tipo de racismo encontra expressão. ”
O racismo recreativo há muitos anos foi incorporado no cotidiano das pessoas, a exemplo da prática do “blackface”, difundido no teatro e nas mídias de cinema e televisão, quando pessoas brancas pintam o corpo de tinta preta para escurecer a pele representando personagens negros, comum nos Estados Unidos e depois em outros lugares do mundo, inclusive nosso país. O caráter ofensivo desta prática assume duas vertentes igualmente discriminatórias: A primeira, por ser ofensivo à medida que realça traços como lábios, nariz e olhos de forma exagerada, correlacionando tais formas ao medo, expondo as pessoas negras ao ridículo, caráter usual de inferiorização, apesar de combatido ainda vez por outra na atualidade a prática ainda é utilizada. Segundo, o “blackface” é um recurso que induz claramente que artistas negros não são aptos ou aceitos para atuarem, Além deste recurso, o cinema embranquecia as personagens por conveniência, um dos exemplos mais conhecidos, foi a atuação da atriz Elizabeth Taylor anglo-americana, nascida em Londres, que representou Cleópatra no cinema.
A ofensa racial disfarçada de piada, diminui minorias como os negros, asiáticos e indígenas, é claramente uma forma de desvalorização social, pontuada pelo o Dr. Adilson Moreira na sua obra “Racismo Recreativo”, evidencia assim, a inferiorização social, o cunho humorístico cogita a noção de que negros são: moral, intelectual, sexual e esteticamente inferiores a brancos. Além da antipatia social, quando as expressões cômicas de racismo expressam desprezo por membros de minorias raciais. Existem várias formas de identificar o racismo recreativo. Através de mensagens e imagens degradantes das tidas “minorias”; indígenas apresentados como preguiçosos; A mulher negra retratada de maneira hipersexualizada; animalização de pessoas negras, quando estas são associadas a macacos; Um dos casos mais recentes que tem ocupado a mídia de modo geral, é caso do jogador de futebol brasileiro Vini Jr. quanto às ofensas racistas das quais foi vítima durante as partidas do time Real Madrid, (Chamado verbalmente de macaco, além de lançarem banana para dentro de campo). Frases clichês: “Lugar de preto é no tronco e branco no trono”; “Tinha que ser preto mesmo”; “Só deu para ver você nesta escuridão porque você sorriu”; “Fez isso porque é preto”, entre outras. A face mais cruel deste projeto segregativo pontuada pelo Dr. Adilson Moreira é quando as minorias raciais também internalizam estigmas e passam a tratar os seus iguais de forma depreciativa.
Urge incorporar procedimentos fundamentados em novos conceitos, respeito à legislação, etc., como forma de exigir igualdade de direitos O judiciário deve proceder de forma equânime, pois a maioria dos casos que envolvem humor de cunho racista são interpretados como brincadeiras ou algo similar, sem a intenção de ofender. É pertinente sinalizar que os quadros do judiciário brasileiro estão compostos majoritariamente por brancos, e, culturalmente são provenientes de uma formação sócio educativa que pregava o mito da democracia racial brasileira, cristalizada como verdade. Logo, é antagônico para eles aceitarem e reconhecerem a existência e os danos do racismo recreativo, haja vista que várias sentenças prolatadas desconsideraram o racismo recreativo e julga os casos como piadas ou brincadeiras irrelevantes, a exemplo da lide envolvendo duas mulheres, “a mulher branca ao ver uma mulher negra que foi comprar bananas para o restaurante que trabalhava, fez o seguinte comentário: – Você deve ter muitos macaquinhos em casa para comprar tanta banana.” No judiciário o processo por injuria racial foi descaracterizado com tal pelo TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Segundo este juízo não houve intenção de ofender a “vítima”, tratou-se de uma forma amistosa de interação com a mesma. (Moreira, Adelson,2019 Pág. 20 – Racismo Recreativo). Em face de casos semelhantes, atendendo ao anseio e demanda da população negra e grande parte do STF (Supremo Tribunal Federal), a Lei 14.532/ 2023 altera a tipificação do crime de injuria racial. Ou seja, os casos de injúria relacionados à raça, cor, etnia, passam a ser considerados uma modalidade de racismo. Apesar de equiparados em termos de legislação é importante ressaltar que injuria racial e racismo são crimes distintos. O texto prevê novas penas para os casos de racismo em contextos de atividade esportiva, racismo religioso e recreativo.
Questionar as formas de fazer humor e combater o Racismo Recreativo
O humor é uma forma de produzir diversão, prazer, seja como anedota, cartum, tira, charge, etc. A atuação de atores negros nas cenas dos programas humorísticos televisivos contribuíram para normalizar a narrativa de degradação moral da população negra, a exemplo de Antônio Carlos Bernardes Gomes, “o Mussum”, ator negro, músico, compositor e cantor, mas, reconhecido pelo “alcóolatra” em um seriado programa de humor, assim como tantos outros atores negros que infelizmente reforçaram estereótipos negativos ao extremo de apresentar-se sem a prótese dentária como Augusto Temístocles da Silva Costa, conhecido Tião Macalé, entre casos similares. Na atualidade, ao questionar o racismo que nos atravessa manifesto no humor das mídias de modo geral, tanto humoristas quanto roteiristas não se julgam racistas, argumentam serem descendentes de negros e as piadas serem simplesmente brincadeiras.
É fato que o processo de desconstrução não é fácil. O letramento racial precisa ser trabalhado nas escolas em todos os níveis de educação, das séries iniciais até os últimos estágios de formação acadêmica. Não é aceitável que práticas racistas sejam invisibilizadas pelo véu da desinformação, desfaçatez, omissão, indiferença, conveniência, etc. Somos chamados enquanto sociedade para protagonizar mudanças concretas em relação a justiça social e igualdade de direitos. Além do que preconiza a nossa Constituição, o advento da nova lei 14.532/ 2023 da equiparação de injúria racial ao racismo é um grande avanço para minimizar injustiças e embasar decisões. É pertinente estimular, também, que cada cidadã (ão) brasileira (o) conscientize-se que faz parte deste território, independente da sua origem étnica – indígena, negra ou europeia. Todos somos descendentes de homens e mulheres formadores deste país.
Calar ao racismo? Nunca mais.
“ Todos os nossos silêncios diante de agressão racista são atos de cumplicidade.”
Bell Hooks
Cecília Peixoto
Referência Bibliográfica:
Moreira, Adilson José, Racismo Recreativo, 2019.Coleção Feminismos Plurais.
https://www.politize.com.br/ Por Jovana Meirelles